quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Culpa

Gabriela acordou,finalmente. Todos ali, tensos numa sala de espera com quatro acentos, seu pai sentado, com suas mãos coladas fortemente, cotovelos apoiados nas coxas, e cabeça baixa sustentada por suas mãos que já haviam se tornado uma; sua mãe, em pé, de um lado pro outro, do começo ao fim com um terço rosa-bebê, que sua sogra havia lhe dado dois dias antes do casamento, rezando, totalmente destruída por dentro, mas com uma força que ninguém tem igual. Seu irmão, pouco mais novo, não sabia muito bem o que fazer, mas por ver seu pai preocupado, e sua mãe quase chorando, chorava como quando roubavam seus doces, ou lhe tiravam o videogame. Tensão, era possível ver a tensão na cortina verde-hospital balançando com o pouco vento, nos sofás de couro que faziam barulho de ar ao sentar, nas mesinhas com copos cheios de água e um jarrinho com enfeitede flor, ou até mesmo no quadro que à primeira vista era uma borboleta, mas depois de analisar um pouco era um olho, muito bonito por sinal. Tudo estava tenso, e triste, e todos tinham não mais um nó, e sim um elefante nas suas gargantas, não sabiam mais a que santo orar, e nem a que enfermeira perguntar. Então vem Caio - seu namorado -, correndo chorando:
- Gabriela acordou, finalmente!
Todos se abraçaram, apesar de suas diferenças, apesar de ser um namoro não autorizado. Ali, naquele momento em que tudo voltava a ter vida, que tudo voltava a ter cor, nada mais importava além de comemorar. E odr.Bismarc avisa que, apesar de ter sido uma pancada na cabeça seríssima, os problemas eram totalmente reversíveis, e que a esperança e união agora eram muito importantes.
E o pai de Gabriela lembrou-se.
Lembrou-se de quando a mandou ir pra cama, e ela não quis saber, disse que se ele não deixasse iria fugir com Caio, e que queria ser feliz, apesar de achar que seu pai não queria ver sua felicidade. Lembrou-se que por causa daquela discussão ela saiu correndo feito louca, e ao sair, ainda olhando para ele, e gritando, andando de costas, tropeçou e caiu de cabeça. Ali, depois de dizer que nada iria impedir sua felicidade e seu amor. Nada! Ali na sua frente, caída, ele a socorreu, a deixou na cama, e agradeceu à Deus ela estar bem e esquecer do ocorrido no outro dia, devido à pancada. E se culpa até hoje, ele não fala a mais ninguém, mas pensa e sabe que tudo é culpa dele, e que se Gabriela não se curar, ele não vai ser feliz jamais.
E Caio lembrou-se.
Lembrou-se de quando saíram os dois, felizes, 7 meses de namoro, foram comemorar, e a noite acabou em algo a mais que beijos. Ele a levou pra casa, e dormiram juntos, mas Gabriela queria discutir a relação, e Caio fingiu não ouvir, e foi o que fez Gabriela levantar-serevoltada, e falar com ele até que ele acordasse, mas quando ela levantou-se rapidamente, se enganchou no lençol, e bateu a cabeça no criado-mudo, fazendo com que o porta-retrato com uma foto dela caísse e quebrasse. Na hora ela ficou meio zonza, sua cabeça sangrou pouco, mas ela logo voltou ao normal. No dia Caio pensou que fosse besteira, mas agora ele tinha plena certeza de que era tudo culpa dele, e que se ela não se curasse, ele nunca mais seria feliz.
E a mãe de Gabrielalembrou-se.
Lembrou-se de quando aviu na banheira, Gabriela estava tão tranquila, que sua mãe ficou ali, por alguns minutos espiando, invejando essa tranquilidade que há anos não tivera. Seja por causa do emprego, ou do marido, ou dos três filhos que apesar de quase não ficarem em casa, davam sim muito trabalho. Então Gabriela se assustou com aquela sombra, perguntou quem era, e sua mãe não respondeu, apenas saiu, pois não saberia explicar o que ali fazia. Gabriela enrolou-se na toalha, e quando levantou-se bateu a cabeça na torneira. Sua mãe ouviu o barulho e foi logo socorrer, aparentemente, nada aconteceu com Gabriela. Mas agora sua mãe tinha absoluta certeza que era a culpada, e tinha vergonha de dizer aos que ali estavam, que tudo era culpa dela. Mas sabia, que se Gabriela não se recuperasse, ela não saberia mais viver sem culpa.
E seu irmão pequeno começou a chorar. Todos pararam seus pensamentos por um minuto, e o ouviram falar:
- Desculpem, a culpa foi toda minha! Eu estava no meu quarto e ouvi a gabizinha falar algo, e fui lá correndopra saber o que era, mas ela só estava falando com seu namorado no telefone, e me viu, pensou que eu estava espionando e começou a gritar. Eu achei tão engraçado ela brava que fiquei irritando mais, mas ela começou a se mexer e fazer umas coisas estranhas, eu não sabia o que fazer, e gritei por vocês! Eu sei que sou culpado, eu não devia ter feito raiva a minha irmãzinha. Se eu tivesse ficado quieto, estaríamos todos em casa, dormindo tranquilos, mas eu prometo, com todas as palavras, que a partir de hoje, eu não irrito mais a minha irmãzinha!
- E se não melhorar? – perguntou seu amiguinho
- Eu nem pensei nisso, nem vou pensar! Porque sei que a gabizinha vai melhorar muito cedo. Mas independente da melhora dela, eu vou carregar comigo pra sempre essa culpa. A culpa de fazer com que minha família sentisse remorso por algo que eu fiz.
A felicidade pra o pequeno Emanuel, não dependia da melhora dela. Pois, mesmo que Gabriela voltasse a viver normalmente, ele não poderia mais ser feliz.
E seu pai, sua mãe e Caio, ficaram impressionados com tal força dessa criança, e o invejaram até, mas preferiram ficar calados. E agora sim, suas culpas não se tratavam só de Gabriela, ou de sua melhora, agora suas culpas seriam – como a de Emanuel – eternas, e a pior de todas as culpas, não era de fazer o que fizeram, era de ser quem eram.

AK

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